Alergia às Proteínas do Leite de Vaca (APLV) – o que pode interessar a uma mãe saber!


A convidada especialista desta semana é a Professora Carla Rêgo. É pediatra no Hospital CUF Porto e Professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Tem se destacado na área da Nutrição Pediátrica, onde é uma referência na sua área. É Mãe de uma jovem deseigner de moda de 23 anos. A Professora Carla já apareceu neste blogue, a propósito da Health4Moz, ONG a que preside e pretende melhorar a qualidade da assistência clínica às mães e crianças de Moçambique. Passei-lhe um desafio que várias leitoras me têm lançado através do blogue: explicar o que é a alergia das proteínas do leite de vaca (APLV), como se diagnostica, o que implica no futuro das crianças... Como poderão ler, a prova foi superada com distinção. Um texto que explica tim-tim por tim-tim tudo que interessa saber sobre a APLV.

Alergia às Proteínas do Leite de Vaca (APLV) – o que pode interessar a uma mãe saber!
Carla Rêgo

O que é uma alergia alimentar?
Diz-se que existe uma “alergia alimentar” quando se verifica um efeito adverso, resultante de uma resposta específica do sistema imunológico (sistema de defesa do nosso organismo) e que ocorre de uma forma reprodutível, após exposição a um dado alimento. É um efeito muito distinto de outras respostas adversas tais como intolerância a alimentos, reacções a medicamentos ou reacções mediadas por toxinas.

O que é a Alergia às Proteínas do Leite de Vaca (APLV)?
A Alergia às Proteínas do Leite de Vaca (APLV) é a alergia alimentar mais frequente, afecta cerca de 2-3% dos lactentes (crianças com menos de 12 meses) e tem vindo a demonstrar uma incidência crescente. Importa saber que há 20 proteínas potencialmente responsáveis por uma reacção de APLV, sendo as mais frequentemente referidas a α-lactalbumina, a β-lactoglobulina, a albumina sérica bovina e os alergénios da caseína. Por apresentarem uma certa semelhança estrutural é frequente existir reacção cruzada. O aleitamento materno exclusivo nos primeiros 4-6 meses de vida é protector para a APLV, bem como para manifestações graves de alergia.

Quando se deve suspeitar de uma APLV?
Dependendo do tipo de reacção alérgica de base, as manifestações de APLV podem ser muito variadas, atingindo sobretudo a pele (prurido, eritema, eczema atópico, urticária, edema dos lábios, face e olhos), o aparelho digestivo (cólicas intensas, náuseas, vómitos, diarreia/obstipação, prurido anal, dor abdominal, sangue e muco nas fezes) e o aparelho respiratório (prurido nasal, tosse, dificuldade respiratória). Podem apresentar-se com um quadro leve, mas também com quadros graves e potencialmente fatais (choque anafiláctico). Caso o lactente apresente um quadro clinico benigno, deve ser logo que possível consultado o pediatra / médico assistente; caso a apresentação seja exuberante, deve ser observado de imediato num Serviço de Urgência pediátrico.

O diagnóstico é sobretudo clínico, muito embora possam ser pedidos exames analíticos. No entanto, importa referir que a sua negatividade não exclui a existência de APLV, uma vez que nem todas as reacções alérgicas apresentam os mesmos mediadores imunológicos.

 [fonte: drpaulomaciel.com.br]

O que implica quando se suspeita e se confirma um diagnóstico de APLV?
O diagnóstico de APLV implica uma dieta totalmente isenta em proteínas do leite de vaca, o que, como é fácil de supor, conduz frequentemente a dietas restritivas, com repercussões nutricionais, económicas e comportamentais não desprezíveis, quer para a mãe quer para o filho. Torna-se pois importante efectuar um diagnóstico correcto. O pediatra/médico assistente saberá fazê-lo. Duas situações podem acontecer:
  1. Se o lactente estiver a fazer leite materno, a mãe deverá, durante 2 semanas, eliminar da sua dieta os alimentos lácteos (leite, iogurte e queijo) e fazer suplementos de cálcio. Se os sintomas apresentados pelo seu filho melhoraram ou desapareceram, a reintrodução de lácteos na dieta da mãe deve ser de novo efectuada e, caso os sintomas ocorram de novo, deve ser mantida a evicção até à “prova de provocação”, sempre com a precaução de suplementar a mulher em cálcio. No entanto, caso não ocorra agravamento dos sintomas no lactente com a reintrodução de lácteos na dieta materna, então a mãe não deverá fazer qualquer restrição destes alimentos na sua dieta.
  2. Os lactentes que estão a ser alimentados com uma fórmula infantil (FI) deverão de imediato, à mínima suspeição de APLV, suspender a FI usada e iniciar uma FI com proteínas extensamente hidrolisadas (FIeH) . Nestas fórmulas, apropriadas para tratar a APLV, a proteína sofre uma hidrólise (fragmentação) térmica e enzimática extensa que lhe retira grande parte do seu poder indutor de resposta alérgica. Importa sempre referir que estas fórmulas não são fórmulas standard mas sim formulas terapêuticas (pois servem para tratar), pelo que só devem ser usadas em casos confirmados de APLV. Existem ainda situações muito raras de formas graves de APLV que obrigam ao recurso a FI sem nenhuma proteína inteira, ou seja, só com os seus componentes, os aminoácidos. Nunca é demais lembrar que as FI com proteína de soja nunca devem ser usadas para tratar a APLV antes dos 6 meses de idade e, no 2º semestre de vida apenas deverão ser uma alternativa às FIeH por questões económicas ou filosóficas (dietas vegetarianas) e sempre após uma “prova terapêutica” de segurança, realizada sob vigilância médica, atendendo à elevada possibilidade de alergia cruzada.  
 A diversificação alimentar de lactentes com APLV deverá ser cuidadosa e a leitura dos rótulos de alguns alimentos deverá constituir uma prática habitual, particularmente para crianças após os 12 meses que mantêm APLV. Efectivamente nas crianças maiores, as festas e o consumo social de alimentos poderá conduzir a sintomas frustres que importa reconhecer (náusea, dor abdominal, obstipação, diarreia), mas também pode originar, particularmente se já houver histórico pessoal, reacções graves de anafilaxia que obrigam à aprendizagem da utilização da injecção de adrenalina.

O que é a “prova de tolerância” e quando deve ser realizada?
Tendo por base a noção de que a APLV é transitória na grande maioria das crianças, a “prova de tolerância” tem como objectivo “testar” se já ocorreu tolerância à proteína e consequentemente avaliar a possibilidade da criança iniciar uma FI standard. Deverá ser realizada aos 12 meses (muito embora haja quem recentemente advogue a sua realização antes do ano de idade, mais concretamente cerca dos 9 meses e sempre após 6 meses de dieta isenta em proteína inteira). Deve ser sempre realizada em ambiente hospitalar e obedece a um protocolo internacionalmente recomendado, que basicamente consiste na oferta de volumes inicialmente muito pequenos e progressivamente crescentes de FI com proteína de leite de vaca inteira. Caso não ocorram sintomas a criança pode introduzir lácteos na sua dieta; caso se mantenha reactividade avaliada pela ocorrência de sintomas, a prova deve ser repetida aos 18m, aos 24m e depois anualmente.

Um conceito mais recente e um pouco diferente é a “indução de tolerância” que consiste na oferta de volumes progressivamente crescentes ao longo do tempo visando a “habituação” do sistema imunológico com consequente aceitação do alimento. Esta decisão e a sua programação devem ser orientadas por um alergologista com experiência nesta área e nunca é realizada no 1º ano de vida.

O meu filho tem APLV. Qual o seu futuro?
O prognóstico é geralmente bom, uma vez que aos 3 anos 85% das crianças afectadas ganham tolerância. A existência de história familiar grave de alergias, de quadros graves de APLV e de doses mais baixas para desencadear reacção na “prova de tolerância” são alguns dos indicadores associados a maior probabilidade de persistência de APLV para a vida. Importa ainda referir a possibilidade de, nestas crianças, ocorrerem outras alergias alimentares associadas, nomeadamente ao ovo, à soja, ao amendoim e a citrinos, o que recomenda prudência na introdução destes alimentos.

 [fonte: vanessaminossi.blogspot.pt]

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