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quinta-feira, 21 de março de 2013

A ciência por trás do supositório

O MM já fez 2 meses e lá foi levar mais 2 'picas'. Não presenciei o acto, mas a necessidade de colocar um supositório para o rapaz dormir sem dores, recordou-me um mini-conflito que tive com a uma enfermeira do Centro de Saúde. Numa das vezes que levei o JM às vacinas, pedi um supositório de paracetamol, para prevenir a dor do pequeno. Entre choro e esperneanço, a Sra Enfermeira enchía-me os ouvidos com uma data de conselhos sobre como pegar no rapaz, como o colocar a arrotar, como o vestir, etc, Sabia que eu era cirurgião pediátrico? Sim. Ainda assim, tinha aquela autoridade moral que a idade traz e, como haveria de verificar, a ciência não confirma. Acenava pacientemente que sim, porque queria era ir-me embora dali. Mas, como dizia, pedia um supositório de Ben-U-Ron. Pergunta: «sabe colocar um supositório?» Eu: «(WTF?!) Qual a ciência?»

O que se seguiu é indigno para o rapaz, pelo que não entrarei em pormenores. Digo-vos apenas que a Sra. Enfermeira entendeu (e queria fazer escola) que a porção mais larga do supositório deveria entrar mais cedo que a parte fina. A parte larga, cortante, que os comuns dos mortais entendem como sendo o final do 'foguete' deveria ser a primeira parte a forçar o esfíncter anal da criança. Incrédulo e vencido pelo cansaço, nem discuti. Cheguei a casa e fui para a Internet. Encontrei a teoria da introdução invertida do supositório, inclusivamente, defendida por outros enfermeiros. Mas, porque raio as farmacêuticas continuavam fabricar os supositórios tal como os conhecemos? Parte fina e de ponta lisa para a frente que vai ficando mais larga, de forma abrir delicadamente o ânus, seguido de uma diminuição do diâmetro até até um corte súbito. Fui à literatura científica e desfiz o mito.

«Historically suppositories were inserted pointed end first but the publication of one study (Abd-El-Maeboud et al, 1991) changed nursing practice overnight. The authors suggested retention is more easily achieved if suppositories are inserted blunt end first because the squeezing action of the anal sphincter against the apex pushes (sucks) them into the rectum. (...) However, there has been a lack of critical appraisal of this research, which has never been replicated and has the limitations inherent with any small study. The research analysis used simple descriptive statistics, which further brings into question the validity and robustness of the research and the conclusions drawn. (...)In the absence of conclusive evidence to recommend one particular method of suppository insertion, it seems that a common-sense approach is required (Bradshaw and Price, 2006).»

Conclusão: houve gente que acreditou que a porção fina virada para baixo ajudaria a que o supositório fosse mais facilmente 'empurrado' para cima pelo próprio esfíncter anal. Eventualmente faria sentido, quando era o próprio a colocar. De qualquer forma, essa hipótese nunca foi provada, pelo que deve imperar o bom senso. E, para mim, bom senso parece ser colocá-lo como o fabricante preconiza, isto é, como mostra a figura.

[fonte: drugs.com]

A história acabou por aqui, porque, apesar de me ter a acompanhado de uma cópia do artigo a cada visita ao Centro de Saúde, para esfregar na cara da Sra. Enfermeira e vingar o rabiosque do JM. A senhora deve ter-se reformado e nunca mais nos cruzámos. De qualquer forma, julgo que este episódio deu origem à vontade de ter um blogue deste estilo. Se mais nada de útil tirei daquela vista ao Centro de Saúde, pelo menos isto lhe devo.

17 comentários:

  1. Por acaso não é o Centro de Saúde de Vizela?!

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  2. Pois há por aí MUITA gente a querer inverter as coisas!
    Mas basta ler uns artigos para fundamentar opiniões.
    Por favor senhores enfermeiros, leiam este post!

    Bjinhos
    cafecanelachocolate.blogspot.pt

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  3. Muito bom e bem verdade! Tenho imensos doentes que me questionam sobre isso e que sao massacrados no Cs por mea culpa, dado que lhes digo para colocar um parecêramos supositório 1 hora antes das vacinas... Que incompetência Dra Sofia! Assim nunca se vai saber se vai fazer febre ou não!!!!???A mim interessa-me é que não faça febre..Risos...

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  4. É por essas e por outras que nunca usei supositórios no meu filho mais velho e não pretendo usar nos gémeos bébés. Se nós não gostamos de usar, sabemos que é desconfortável, porque vamos sujeitar a criança a tal? A menos que haja rejeição do xarope, que agora até traz uma "seringa" super prática, não vejo porque começar logo pelo foguete.

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  5. Boa tarde,
    Desde já quero dizer que acho este blog uma verdadeira mais valia que toda a gente deveria ler. Foi muito bem conseguido e devo dar-lhe os parabéns por isso! Nunca tinha comentado até hoje, mas, e visto ser farmacêutica, resolvi partilhar algumas ideias que julgo serem importantes sobre o tema.
    Se queremos que um supositório tenha acção sistémica, devemos administrá-lo com a base plana para cima, para que, com os movimentos peristálticos ele subir e "ir seguir o caminho certo"; se, pelo contrário queremos que o supositório tenha acção local, devemos administrá-lo com a base pontiaguda para cima para o supositório "não sair dali".
    Claro que há inúmeros artigos sobre o assunto e cada um terá a sua opinião, melhor ou pior fundamentada.
    Cumprimentos e continue com o bom trabalho!

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    1. Mariana. Obrigado pelo seu comentário. Mas não posso concordar com o que diz. Os movimentos peristálticos(do cólon) são sempre no sentido proximal-distal (isto é, no sentido de expulsar as fezes (e o supositório). O movimento que empurra o supositório para cima é o facto do encerramento do esfíncter anal se dar no sentido oposto (isto é, de cima para baixo). Assim, colocando-se com a ponta para baixo ou para cima, ele não sobe mais do que a ampola rectal. O que dizem os estudos científicos é que tanto faz a posição em que é colocado, o que me faz acreditar que, apesar de tudo, dói menos à crainça colocá-lo com a ponta fina para cima.

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    2. Este post devia de estar afixado em todos os centros de saúde e acreditem também hospitais, fiquei incrédula quando colocaram o supositório assim no meu filho de 6 meses nas Urgências, por ele não aceitar bem o xarope, até hoje é assim... a parte mais imperfeita, meio lascada foi a que colocaram para inserir no rabinho dele, não concordei e explicaram o mesmo que me explicaram à muitos anos atrás quando um enfermeiro me abordou sobre a temática 'do que parece não é'. Sempre coloquei com a ponta fina para cima e se o supositório sai é porque não lhes fechamos as nádegas a fim de deixaram de ter a sensação de expulsão.

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  6. Eu confesso que sempre achei que se deveria introduzir ao contrário para que ele não saísse de volta, o que acontecia antes muitas vezes.

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  7. Um assunto deveras interessante e uma questão comum no SU Ped!
    Bem sei que há duas teorias (ou pelos vistos até mais!) e gosto de as explicar. No entanto, no final gosto de dar a minha opinião e considero que mais vale que doa menos a criança do que temer pela eventualidade de vir a sair!
    Agora...às vezes é mesmo preciso perguntar se a mãe/pai sabem colocar o dito, isto porque há aqueles que pensam que sabem e tentam colocar o dito com invólucro (e não é inédito)!

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  8. Um assunto deveras interessante e uma pergunta muito colocada pelos pais no SU Ped!
    Bem sei que há as duas teorias (pelos vistos até mais!) e eu até explico as 2. No entanto, no final, gosto de dar a minha opinião defendendo que mais vale que doa menos à criança do que a eventualidade de vir a sair! Se sair é só estar com atenção um bocadinho (para ter a certeza que ficou!) e se sair (que é raro) voltar a colocar!
    Agora...às vezes não é descabido perguntar a uma mãe/pai se sabe colocar um supositório...isto porque há os que de facto não sabem e ainda há os que acham que sabem (e tentam colocar o dito com o invólucro!)

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  9. Já sou mãe de dois filhos, mas só após o nascimento da minha mais recente filhota é que tive conhecimento dessa nova "teoria", que por sinal foi-me comunicada por uma enfermeira. Também achei estranho...até agora ainda não foi preciso dar-lhe nenhum supositório, mas ao meu mais velho continuo a por-lhe a "bala" que vai matar os bichos todos com a ponta mais suave.

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  10. Passou-se o mesmo comigo. Achei que devia ser muito tonta e fiz como me disseram as enfermeiras. Até ler este post, pelo menos... Mas sempre enchi a parte cortante com vaselina. De tal forma que a minha filha nunca se queixou de dor. Agora volto a por como dantes, mas vou manter a vaselina, creio que faz toda a diferença!

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  11. Passou-se o mesmo comigo. Achei que devia ser muito tonta e fiz como me disseram as enfermeiras. Até ler este post, pelo menos... Mas sempre enchi a parte cortante com vaselina. De tal forma que a minha filha nunca se queixou de dor. Agora volto a por como dantes, mas vou manter a vaselina, creio que faz toda a diferença!

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  12. Sim, confirmo, ja passei pelo mesmo,nem queria acreditar...

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  13. Olá, acabei de chegar a este blog e queria, antes de mais, felicitar o autor! Os meus parabéns pela abordagem cuidada das temáticas e pela perfeita união de conhecimento científico e prático do dia-a-dia com estas coisinhas que temos a encherem-nos a nossa vida (mãe de 2 também).
    Sou farmacêutica e debato-me com esta "teoria" desde que cheguei ao mercado de trabalho. É realmente mais frequente na enfermagem, mas infelizmente já começa a ser mais comum nas farmácias. Os medicamentos são feitos (felizmente) por quem percebe da coisa (farmacêuticos :), nada tendenciosa, pois não?), e o formato não é aleatório. A parte mais fina é efectivamente para ser mais fácil a sua administração e também para que a libertação do fármaco ocorra onde se pretende à partida. Não existe só um tipo de formato de supositório, existem vários e estão de acordo com o tipo de fármaco que contêm e a rapidez de absorção necessária ou a profundidade que se pretendem que atinjam.
    Mas pior que esta "teoria" do virar para cima ou para baixo sinto-me completamente inútil na outra teoria que por norma acompanha esta, a do "corte um bocadito para diminuir a dose". Esta também tem requintes de elaboração, há os que cortam na base ou ao longo do comprimento (mais arestas... caso a da introdução invertida não tenha "ajudado" o suficiente). Aproveito já agora para esclarecer que, contrariamente aos comprimidos, os supositórios não têm o medicamento uniformemente distribuído, logo, ao tirar uma "pontinha" corremos o risco de ou não tirar nada, ou tirar tudo. Devido às propriedades do fármaco durante o arrefecimento do veículo (a gordura que dá forma ao dito cujo) o fármaco pode acumular-se todo na base ou no topo. O que devido ao desconhecimento do processo de fabrico é impossível prever onde está ele efectivamente. É realmente mais fácil dosear o xarope e a administração é menos "criativa".

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  14. Xarope. Mais conveniente e muito mais efetivo.
    E os comprimidos? Devem meter-se na boca com o nome para cima ou para baixo?

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  15. Xarope. Mais conveniente e muito mais eficiente.
    E os comprimidos, metem-se na boca com o nome para cima ou para baixo?

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