Desabafo

Nas últimas semanas, têm surgido várias reportagens sobre ter filhos em tempos de crise. A geração que hoje tem filhos foi em tempos apelidada de geração rasca. Era a altura da contestação às provas globais e mostravam-se rabiosques em frente à Assembleia da República. Mais tarde, chamaram-nos geração à rasca. Foi quando perceberam que os tempos dourados estavam a acabar. Ultimamente, éramos a geração mil euros. Fomos mimados em tempos de fartura, mas lançados no mercado de trabalho em tempos de declínio.

Para mim, uma frase no Expresso de há uma semana resume a vontade desta nova geração de pais: «é não permitir que a crise vença e hipoteque o sonho de ter uma família». Não temos facilidades, mas temos uma vontade enorme de trazer filhos a este mundo. Se ele é duro, mudá-lo-emos, com e por eles. Estamos (espero) a criar uma geração de ouro. Acredito que estes nossos filhos crescerão, consequência dos tempos difíceis, com a certeza de que é preciso partilhar, que é preciso juntar esforços, que é preciso acreditar em algo mais do que em si próprios. Uns filhos menos egoístas do que os pais.

A classe média de agora (em tempos 'filhinhos dos papás e das mamãs') pede carrinhos emprestados, junta-se em chás de vendinhas de amigos, apoia negócios locais de roupinhas, troca roupas que não precisa, recicla o que é velho, junta-se em casa e recupera o prazer de cozinhar, com família e amigos, a pretexto de mais um aniversário do filhote. Não que a crise nos tenha transformado do dia para a noite, nem nos tenha feito subitamente a mais altruísta das gerações. Fomos até agora a geração com mais facilidades que Portugal conheceu. Disso não tenhamos dúvidas. Mas actualmente, a dificuldade em ter emprego estável obriga-nos a trabalhar com mais afinco. A família e os amigos desdobram-se quando a criança está com febre, para que nenhum dos pais falte, ou quando há um jantar de trabalho decisivo. Apoiamos afincadamente um amigo que lança um projecto por conta própria. Acho que refreámos uma competitividade doentia que se instalava na sociedade. Estamos também a abandonar o materialismo excessivo e tentamos focar-nos no que é essencial: o sermos felizes e criarmos crianças felizes.

Mais, apesar de achar que não entra nas contas de quem quer ser pai, esta geração de pais à rasca está a contribuir para a renovação demográfica. Fornecemos ao País crianças que serão os trabalhadores (e contribuintes) do futuro, a troco de nada. Não temos qualquer benefício que facilite ter um, quanto mais dois e três filhos. Antes pelo contrário, pois cada vez pagamos mais impostos. Eu já só peço que o Estado saía das nossas cavalitas. Apesar de tudo, não é por isso que vamos deixar de viver e dar vida. Porque é de Amor que se trata.

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