Pai imperfeito

Educar um filho é tarefa exigente. Ninguém nos disse que não seria. Não ambiciono ser um pai perfeito, na mesma medida em que não quero um filho perfeito. Os erros, as frustações, as gafes apimentam a vida e acabam por engrandecer os momentos bons que ela nos dá. Sempre achei que um mundo perfeito seria demasiado monótono. Desejo para mim, e para os meus filhos, muitos sucessos, muitas alegrias, muita saúde e beleza, mas estou convencido que, se não houver o contraste do insucesso, da tristeza, da doença e do feio, não lhes daremos o devido valor.

Isto tudo para reafirmar que não sou um pai perfeito e gosto de não o ser. Também perco a cabeça e berro. Também chego cansado e sem paciência. Também dou respostas bruscas das quais me arrependo. O exemplo que se segue (que só descrevo aqui, porque o final é feliz) é exemplo disso.

Há um ano, por esta altura, quando já se começava a falar do Pai Natal, o JM fazia o 'desmame' da chupeta. Na escolinha e em casa, já só tinha direito à chupeta para dormir. Claro que, quando estava triste ou 'mimoca', ainda pedia a chupeta. Certo dia, lembra-se da chupeta, no carro, em pleno caos do trânsito de fim de dia. Efectivamente, eu não tinha nenhuma guardada, mas, apesar da explicação repetida vezes sem conta, a insistência do JM foi se transformando em choradeira e berros no banco de trás. Irritado disse: «Estás a portar-te mal e o Pai Natal levou- te as chupetas todas.» Por momentos, o JM calou-se em choque, mas o choro voltou pouco tempo depois, amplificado. Não nutro especial simpatia pelo Pai Natal (e um dia hei-de explicá-lo aqui), mas apercebi-me rapidamente que tinha dado uma facada brutal no imaginário do rapaz. O Pai Natal, figura afável que viria trazer presentes aos meninos que se portam bem, tinha-se virado contra ele. Seria na verdade um ser maléfico, que vingara de forma tão cruel uma birra insignificante? Ou pior. Seria ele um menino tão mau, que mereceria aquele vil castigo?

[fonte: harborhealthservices.com]

Cheio de culpa, contei à 'nossa' Mãe. Viu que eu tinha errado, mas apoiou-me num plano de resolução para a crise. «O Pai Natal levou as tuas chupetas para os meninos com dói-dói, porque estavam a chorar. Tu já és grande e não precisas.» «Os meninos com lói-lói do opital?.» «Sim.» «Quero veeeer.» Nessa noite, antes de jantar, voltámos a sair para visitar os meninos no hospital do papá. O JM viu os bebés internados. Alguns com pensos, sondas e cânulas. A maioria com as respectivas chupetas. Ficou muito sensibilizado. Talvez não devesse tê-lo sujeitado àquela visão ou mesmo ao risco de infecção da visita a um hospital. Não sou um pai perfeito, mas emendei a mão. Nessa noite o JM dormiu, pela primeira vez, sem chupeta.

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